quinta-feira, 27 de maio de 2010

Epístola a Marília

Pavorosa ilusão de Eternidade,

Terror dos vivos, cárcere dos mortos;

D'almas vãs sonho vão, chamado inferno;

Sistema de política opressora,

Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos

Forjou para a boçal credulidade;

Dogma funesto, que o remorso arraigas

Nos ternos corações, e a paz lhe arrancas:

Dogma funesto, detestável crença,

Que envenena delícias inocentes!

Tais como aquelas que o céu fingem:

Fúrias, Cerastes, Dragos, Centimanos,

Perpétua escuridão, perpétua chama,

Incompatíveis produções do engano,

Do sempiterno horror horrível quadro,

(Só terrível aos olhos da ignorância)

Não, não me assombram tuas negras cores,

Dos homens o pincel, e a mão conheço:

Trema de ouvir sacrílego ameaço

Quem d'um Deus quando quer faz um tirano:

Trema a superstição; lágrimas, preces,

Votos, suspiros arquejando espalhe,

Coza as faces co'a terra, os peitos fira,

Vergonhosa piedade, inútil vênia

Espere às plantas de impostor sagrado,

Que ora os infernos abre, ora os ferrolha:

Que às leis, que às propensões da natureza

Eternas, imutáveis, necessária,

Chama espantosos, voluntários crimes;

Que as vidas paixões que em si fomenta,

Aborrece no mais, nos mais fulmina:

Que molesto jejum roaz cilico

Com despótica voz à carne arbitra,

E, nos ares lançando a fútil bênção,

Vai do grã tribunal desenfadar-se

Em sórdido prazer, venais delícias,

Escândalo de Amor, que dá, não vende.



II



Oh Deus, não opressor, não vingativo,

Não vibrando com a destra o raio ardente

Contra o suave instinto que nos deste;

Não carrancudo, ríspido, arrojando

Sobre os mortais a rígida sentença,

A punição cruel, que execede o crime,

Até na opinião do cego escravo,

Que te adora, te incensa, e crê que és duro!

Monstros de vis paixões, danados peitos

Regidos pelo sôfrego interesse

(Alto, impassivo númen!) te atribuem

A cólera, a vingança, os vícios todos

Negros enxames, que lhes fervem n'alma!

Quer sanhudo, ministro dos altares

Dourar o horror das bárbaras cruezas,

Cobrir com véu compacto, e venerando

A atroz satisfação de antigos ódios,

Que a mira põem no estrago da inocência,

(. . .)

Ei-lo, cheio de um Deus, tão mau como ele,

Ei-lo citando os hórridos exemplos

Em que aterrada observe a fantasia

Um Deus algoz, a vítima o seu povo:

( . . .)

Ah! Bárbaro impostor, monstro sedento

De crimes, de ais, de lágrimas, de estragos,

Serena o frenesi, reprime as garras,

E a torrente de horrores, que derramas,

Para fundar o império dos tiranos,

Para deixar-lhe o feio, o duro exemplo

De oprimir seus iguais com férreo jugo.

Não profanes, sacrílego, não manches

Da eterna divindade o nome augusto!

Esse, de quem te ostentas tão válido,

É Deus de teu furor, Deus do teu gênio,

Deus criado por ti, Deus necessário

Aos tiranos da terra, aos que te imitam,

E àqueles, que não crêem que Deus existe.

(. . .)



Fonte: www.revista.agulha.nom.br

Bocage

Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, no dia 15 de Setembro de 1765. Neto de um Almirante francês que viera organizar a nossa marinha, filho do jurista José Luís Barbosa e de Mariana Lestoff du Bocage, cedo revelou a sua sensibilidade literária, que um ambiente familiar propício incentivou. Aos 16 anos assentou praça no regimento de infantaria de Setúbal e aos 18 alistou-se na Marinha, tendo feito o seu tirocínio em Lisboa e embarcado, posteriormente, para Goa, na qualidade de oficial.

Na sua rota para a Índia, em 1786, a bordo da nau "Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena", passou pelo Rio de Janeiro, onde se encontrava o futuro Governador de Goa.Nesta cidade, teve oportunidade de conhecer e de impressionar a sociedade, tendo vivido na Rua das Violas, cuja localização é actualmente desconhecida.

Em Outubro de 1786, chegou finalmente ao Estado da Índia. A sua estadia neste território caracterizou-se por uma profunda desadaptação. Com efeito, o clima insalubre, a vaidade e a estreiteza cultural que aí observou, conduziram a um descontentamento que retratou em alguns sonetos de carácter satírico.

Nomeado, na qualidade de segundo Tenente, para Damão, de imediato reagiu, tendo desertado. Percorreu, então, as sete partidas do mundo: Índia, China e Macau, nomeadamente. Regressou a Portugal em Agosto de 1790. Na capital, vivenciou a boémia lisboeta, frequentou os cafés que alimentavam as ideias da revolução francesa, satirizou a sociedade estagnada portuguesa, desbaratou, por vezes, o seu imenso talento. Em 1791, publicou o seu primeiro tomo das Rimas, ao qual se seguiram ainda dois, respectivamente em 1798 e em 1804. No início da década de noventa, aderiu à "Nova Arcádia", uma associação literária, controlada por Pina Manique, que metodicamente fez implodir. Efectivamente, os seus conflitos com os poetas que a constituíam tornaram-se frequentes, sendo visíveis em inúmeros poemas cáusticos.

Em 1797, Bocage foi preso por, na sequência de uma rusga policial, lhe terem sido detectados panfletos apologistas da revolução francesa e um poema erótico e político, intitulado "Pavorosa Ilusão da Eternidade", também conhecido por "Epístola a Marília".

Encarcerado no Limoeiro, acusado de crime de lesa-majestade, moveu influências, sendo, então, entregue à Inquisição, instituição que já não possuía o poder discricionário que anteriormente tivera. Em Fevereiro de 1798, foi entregue pelo Intendente Geral das Polícias, Pina Manique, ao Convento de S. Bento e, mais tarde, ao Hospício das Necessidades, para ser "reeducado". Naquele ano foi finalmente libertado.

Em 1800, iniciou a sua tarefa de tradutor para a Tipografia Calcográfica do Arco do Cego, superiormente dirigida pelo cientista Padre José Mariano Veloso, auferindo 12.800 réis mensalmente.

A sua saúde sempre frágil, ficou cada vez mais debilitada, devido à vida pouco regrada que levara. Em 1805, com 40 anos, faleceu na Travessa de André Valente em Lisboa, perante a comoção da população em geral. Foi sepultado na Igreja das Mercês.

A literatura portuguesa perdeu, então, um dos seus mais lídimos poetas e uma personalidade plural, que, para muitas gerações, incarnou o símbolo da irreverência, da frontalidade, da luta contra o despotismo e de um humanismo integral e paradigmático.

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br

Vinicius de Moraes

Página na web: http://www.viniciusdemoraes.com.br/

Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro RJ, 1913 – 1980) formou-se em Direito, no Rio de Janeiro, em 1933. No mesmo ano publicou O Caminho para a Distância, seu primeiro livro de poesia. Ainda na década de 1930, são lançados Forma e Exegese (1935), Ariana, a Mulher (1936) e Novos Poemas (1938). Em 1938 viajou para a Inglaterra, para estudar Língua e Literatura Inglesa. De volta ao Brasil, ingressou na carreira diplomática; serviu nos Estados Unidos, na França e no Uruguai. Em 1956 iniciou parceria com Tom Jobim, que fez as músicas para sua peça Orfeu da Conceição. Publicou, em 1957, o Livro de Sonetos. Em 1958 foi lançado o LP Canção do Amor Demais, que inclui a música Chega de Saudade, composta por ele e Tom Jobim, marco do movimento da Bossa Nova. Nas décadas seguintes ele participaria no movimento com diversas parcerias: Baden Powell, Carlos Lyra, Edu Lobo, Francis Hime, Pixinguinha, Tom Jobim e Toquinho. Em 1965 ganhou primeiro e segundo lugares no Festival de Música Popular da TV Excelsior, com as canções Arrastão, parceria com Edu Lobo, e Canção do Amor que não Vem, parceria com Baden Powell. Vinícius de Moraes, pertencente à segunda geração do Modernismo, é um dos poetas mais populares da Literatura Brasileira. Suas canções alcançaram grande êxito de público, como Garota de Ipanema, a música brasileira mais executada no mundo. Para Otto Lara Rezende, "depois do Vinicius musical, foi o Vinicius cronista quem mais depressa chegou ao coração do grande público". Sua obra poética também teve e continua tendo muito sucesso; principalmente poemas como Soneto de Fidelidade. Ele produziu ainda poemas infantis, como os de A Arca de Noé (1970).

Garota de Ipanema

Composição: Tom Jobim e Vinicius de Moraes


 
Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça

É ela a menina que vem e que passa

Num doce balanço, caminho do mar



Moça do corpo dourado, do sol de Ipanema

O seu balançado é mais que um poema

É a coisa mais linda que eu já vi passar



Ah, por que estou tão sozinho?

Ah, por que tudo é tão triste?

Ah, a beleza que existe

A beleza que não é só minha

Que também passa sozinha



Ah, se ela soubesse que quando ela passa

O mundo inteirinho se enche de graça

E fica mais lindo por causa do amor.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Como fazer um seminário?

Seminário é um procedimento metodológico que supõe o uso de técnicas (uma dinâmica de grupo) para o estudo e pesquisa sobre um assunto predeterminado.

O seminário pode assumir diversas formas, mas o objetivo é: leitura, análise e apreensão dos dados pesquisados.

Para desenvolver um seminário, o grupo precisa estar ciente da necessidade de cumprir alguns passos:

a) Estabelecer o tema (atribuição do professor);
b) Compreender e explicitar o tema;
c) Definir fontes bibliográficas;
d) Realização da pesquisa;
e) Elaboração de um texto/roteiro para apresentação.

Para a realização de um seminário, cada grupo deve apresentar:

a) Expor o assunto, valendo-se, para isso, das mais variadas estratégias: exposição oral, quadro-negro, slides, cartazes, encenações, filmes etc. (Usar a imaginação);
b) Contextualizar o tema, ou unidade de estudo, nas obras pesquisadas;
c) Apresentar os principais conceitos, ideias, doutrinas e  momentos históricos essenciais;

d) Levantar os problemas surgidos na pesquisa e apresentar os mesmos para discussão da turma;

e) Fornecer a fonte de pesquisa (principais autores consultados) e, caso possível, comentá-la;

f) Indicar a conclusão do grupo.


O trabalho final deve conter:
a) Capa;
b) Introdução;
c) Desenvolvimento;
d) Conclusão;
e) Bibliografia.


Fonte: Guia para a elaboração de trabalhos escritos - UFRGS (adaptado).

sábado, 10 de abril de 2010

Diferenças entre o Impressionismo e Expressionismo

O Impressionismo surgiu na segunda metade do século XIX, e seus artistas se empenharam para registrar a impressão momentânea, dispensando as técnicas tradicionais acadêmicas. Claude Monet é um artista importante deste período. Em seus quadros, um lago não era uma imagem azul da água, mas inúmeras pinceladas multi-colores do ocre ao azul marinho. Diferente dos artistas acadêmicos, os impressionistas valorizavam a luz natural e cenários externos ao ateliê.


  Impression, soleíl levant. 1872. Claude Monet


No Expressionismo, corrente artística da virada do século XIX para o XX, a pintura não mais representava a imagem real ou o efeito da luz, mas distorções intencionais que geravam novas formas e expressavam os sentimentos do artista (como angústia, dor, inadequação da realidade etc.). Vincent Van Gogh e Paul Gaugin são exemplos de artistas que marcaram esta fase da pintura moderna.

Van Gogh. Autoretrato. Saint-Rémy, 1889. Museu d’Orsay.

Vanguardas Europeias: Surrealismo

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário que surgiu na França, com poeta André Breton, na década de 1920.

Influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud,  o surrealismo enfatiza o papel do inconsciente na atividade criativa; defende que a arte deve libertar-se das exigências da lógica e expressar o inconsciente e os sonhos; e rejeita os valores burgueses, como a pátria e a família. Expressa o interior humano.

Na arte, o catalão Salvador Dali (1904-1989) é um dos principais artistas do movimento surrealista.




"A Persistência da Memória", Salvador Dalí (1931)

Na literatura está presente a escrita automática e anticonvencional, o interesse por sonhos e mitos, o humor negro e metáforas surreais (onde realidade e sonhos se misturam).

Na literatura brasileira, o livro MACUNAÍMA, de Mário de Andrade, talvez seja o melhor exemplo. Escrito em apenas seis dias, com uma narrativa quase automática, reelabora temas de mitologia indígena e visões folclóricas.

Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados às raízes da cultura brasileira. Leia um trecho:


“Nesse momento um mulato da maior mulataria trepou numa estátua e principiou um discurso entusiasmado explicando pra Macunaíma o que era o dia do Cruzeiro. No céu escampado da noite não tinha uma nuvem nem Capei. A gente enxergava os conhecidos, os pais-das-árvores os pais-das-aves os pais-das-caças e os parentes manos pais mães tias cunhadas cunhãs cunhatãs, todas essas estrelas piscapiscando bem felizes nessa terra sem mal, adonde havia muita saúde e pouca saúva, o firmamento lá.”

Fonte: http://www.ziggi.com.br/buscar/livro-macunaima-completo

Vanguardas Europeias: Dadaismo

O Dadaísmo foi um movimento originado, entre 1915 e 1916, em Zurique, Suíca.

O movimento promovia o "terrorismo cultural", pois negava todas as tradições sociais e artísticas. Tinha como base o niilismo (descrença absoluta), o ilogismo (ausência de lógica ou de regras) e o slogan "a destruição também é criação".

 Na arte, havia grande admiração pela arte abstrata e cultuava a realidade mágica da infância: "Mona Lisa com bigodes, de Marcel Duchamp"




Na literatura, o Dadaismo procurava chocar o público. Agressividade, improvisação, desordem, rejeição a qualquer tipo de racionalização e equilíbrio, estavam presente nos textos.

O acaso substituiu a inspiração e a brincadeira tomou o lugar da seriedade. Invenção de palavras com base na sonoridade.

Die Schlacht (A Batalha), de Ludwig Kassak

Berr... Bum, bumbum, bum...
Ssi... Bum, papapa,bum, bumm
Zazzau... Dum, bum, bumbumbum
Prä, prä, prä... râ, äh-äh, aa...
Haho...

No Brasil, o Dadaísmo se manifestou em várias obras dos modernistas. O grande projeto dos modernistas era escrever brasileiro, criando um língua nacional livre. Manuel Bandeira, grande poeta modernista utiliza um procedimento dadaísta comum na época (a galhofa) e fez, no poema a seguir, uma paródia modernista de um poema do romântico Joaquim Manuel de Macedo (A Moreninha).



Mulher, irmã, escuta-me: não ames,

Quando a teus pés um homem terno e curvo

Jurar amor, chorar pranto de sangue,

Não creias, não mulher: ele te engana!

As lágrimas são galas da mentira

E o juramento manto da perfídia.


Receita de poema, do escritor francês Tristan Tzara:


Pegue um jornal
pegue a tesoura
escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema
recorte o artigo
recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco
agite suavemente
tire em seguida cada pedaço um após o outro
copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco
o poema se parecerá com você
e ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público


Vanguardas Europeias: Futurismo

O movimento cultuava a vida moderna, a máquina, a velocidade. Reivindicava uma ruptura com o passado, buscando novas formas, assuntos e estilos, que melhor representasem a modernidade. Surgiu, oficialmente, em 1909, com a publicação do Manifesto Futurista, do poeta italiano Filippo Marinetti, no jornal francês Le Figaro.




O lema do manifesto futurista era "palavras em liberdade".

Na literatura, empregou-se a destruição da sintaxe; a abolição da pontuação, esta seria substituída pelos sinais da matemática ou da música; o uso de onomatopeias e de estruturas que incorporassem o som das máquinas à linguagem; e pretendiam abolir o uso dos advérbios e adjetivos.

Influências do Futurismo no Brasil:

Ode ao burguês, de Mário de Andrade


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...


Outra influência futurista no Brasil é o romance"João Ternura", de Aníbal Machado.


Vanguardas Europeias: Cubismo

O movimento cubista surgiu em Paris,  entre 1907 e 1908, com a tela Les Demoiselles d'Avignon (As Senhoritas de Avignon), pintada pelo espanhol Pablo Picasso.


A pintura retrata cinco nús envoltos na natureza morta.
 Os traços dos rostos remetem às máscaras africanas. 

A arte é marcada pela decomposição do objeto em múltiplos planos, rompimento da perspectiva tradicional, simultaneidade, recorte e montagem.

Poesia cubista:

São José Del Rei, de Oswald de Andrade

Bananeiras
O Sol
O cansaço da ilusão
Igrejas
O ouro na serra de pedra 
A decadência.

O poema São José Del Rei (atual cidade de Tiradentes) parece fazer referência ao percurso de 12 km, de trem, entre as cidades de São João Del Rei e São José Del Rei. A mineração de ouro, no início do século XX, que estava em decadência, é retratada no poema.

sábado, 27 de março de 2010

O Museu Virtual - Do Renascimento ao Impressionismo

Museu virtual: http://www.youtube.com/watch?v=iKW8ytgWamE

Atenção! O nome de um dos artistas mencionados é Pontormo.

Vanguardas Europeias: Expressionismo

As vanguardas europeias foram importantes para o desenvolvimento da arte moderna no Brasil. Foram movimentos que influenciaram os intelectuais brasileiros, principalmente aqueles que viajavam frequentemente para a Europa.

Na virada do século XIX para o XX, a Europa vivia um clima tenso, de rompimento com todo o passado artístico e cultural e às vésperas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Revolução Russa (1917).

Esta tensão atingiu o emocional dos artistas e determinou o tipo de criação artística e literária da época. Eles defendiam a liberdade de expressão, de estilo e de temática.

1. Expressionismo.
 
O Expressionismo surgiu na Alemanha, em 1905, com o grupo "Die Brücke" (A Ponte) e pode ser caracterizado por uma tendência em ver a realidade de maneira sombria e pessimista. O desconforto e ansiedade são tônicas constantes, pois o homem toma consciência de sua precariedade e inicia uma busca incessante para transcender esta deficiência na sua existência.
Na arte, desvincula-se do binômio belo x feio e manifesta a inferioridade e a obscuridade do ser, que é transportada para expressão. As telas retratam o vício, as guerras, o horror e o patético, com cores fortes expressivas. Protesta contra a violência e reflete a crise de consciência gerada pela guerra.

Arte expressionista: http://www.youtube.com/watch?v=kIVgQfuQ_78&feature=related

Na literatura, a linguagem é fragmentada, geométrica e construída com frases nominais. Há a despreocupação com a organização do poema em estrofes, com rimas ou musicalidade. Questiona a inércia e os valores do mundo burguês. Tem a morte como tema recorrente.


A noite – Augusto dos Anjos

A nebulosidade ameaçadora
Tolda o éter, mancha a gleba, agride os rios
E urde amplas teias de carvões sombrios
No ar que álacre e radiante, há instantes, fora.

A água transubstancia-se. A onda estoura
Na negridão do oceano e entre os navios
Troa bárbara zoada de ais bravios,
Extraordinariamente atordoadora.

A custódia do anímico registro
A planetária escuridão se anexa...
Somente, iguais a espiões que acordam cedo,

Ficam brilhando com fulgor sinistro
Dentro da treva omnímoda e complexa
Os olhos fundos dos que estão com medo!


Questão do Enade/2008:


O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), talvez o pensador moderno mais incômodo e provocativo, influenciou várias gerações e movimentos artísticos. O Expressionismo, que teve forte influência desse filósofo, contribuiu para o pensamento contrário ao racionalismo moderno e ao trabalho mecânico, através do embate entre a razão e a fantasia. As obras desse movimento deixam de priorizar o padrão de beleza tradicional para enfocar a instabilidade da vida, marcada por angústia, dor, inadequação do artista diante da realidade.

Romantismo: Considerações sobre Iracema


Eduardo Dusek, na canção A índia e o traficante, desconstrói a figura idealizada de Alencar, transportando a índia para o mundo real, em que prevalecem a corrupção e a marginalidade. In: http://www.youtube.com/watch?v=O6fYliFHjEM 

Romantismo: "I - Juca-Pirama", de Gonçalves Dias

I - Juca-Pirama

I

No meio das tabas de amenos verdores,

Cercadas de troncos — cobertos de flores,

Alteiam-se os tetos d’altiva nação;

São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,

Temíveis na guerra, que em densas coortes

Assombram das matas a imensa extensão.

São rudos, severos, sedentos de glória,

Já prélios incitam, já cantam vitória,

Já meigos atendem à voz do cantor:

São todos Timbiras, guerreiros valentes!

Seu nome lá voa na boca das gentes,

Condão de prodígios, de glória e terror!



As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,

As armas quebrando, lançando-as ao rio,

O incenso aspiraram dos seus maracás:

Medrosos das guerras que os fortes acendem,

Custosos tributos ignavos lá rendem,

Aos duros guerreiros sujeitos na paz.



No centro da taba se estende um terreiro,

Onde ora se aduna o concílio guerreiro

Da tribo senhora, das tribos servis:

Os velhos sentados praticam d’outrora,

E os moços inquietos, que a festa enamora,

Derramam-se em torno dum índio infeliz.



Quem é? — ninguém sabe: seu nome é ignoto,

Sua tribo não diz: — de um povo remoto

Descende por certo — dum povo gentil;

Assim lá na Grécia ao escravo insulano

Tornavam distinto do vil muçulmano

As linhas corretas do nobre perfil.



Por casos de guerra caiu prisioneiro

Nas mãos dos Timbiras: — no extenso terreiro

Assola-se o teto, que o teve em prisão;

Convidam-se as tribos dos seus arredores,

Cuidosos se incubem do vaso das cores,

Dos vários aprestos da honrosa função.



Acerva-se a lenha da vasta fogueira

Entesa-se a corda da embira ligeira,

Adorna-se a maça com penas gentis:

A custo, entre as vagas do povo da aldeia

Caminha o Timbira, que a turba rodeia,

Garboso nas plumas de vário matiz.



Em tanto as mulheres com leda trigança,

Afeitas ao rito da bárbara usança,

O índio já querem cativo acabar:

A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,

Brilhante enduape no corpo lhe cingem,

Sombreia-lhe a fronte gentil canitar,



II

Em fundos vasos d’alvacenta argila

Ferve o cauim;

Enchem-se as copas, o prazer começa,

Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam,

Sentado está,

O prisioneiro, que outro sol no ocaso

Jamais verá!



A dura corda, que lhe enlaça o colo,

Mostra-lhe o fim

Da vida escura, que será mais breve

Do que o festim!



Contudo os olhos d’ignóbil pranto

Secos estão;

Mudos os lábios não descerram queixas

Do coração.



Mas um martírio , que encobrir não pode,

Em rugas faz

A mentirosa placidez do rosto

Na fronte audaz!



Que tens, guerreiro? Que temor te assalta

No passo horrendo?

Honra das tabas que nascer te viram,

Folga morrendo.



Folga morrendo; porque além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.



Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,

Lá murcha e pende:

Somente ao tronco, que devassa os ares,

O raio ofende!



Que foi? Tupã mandou que ele caísse,

Como viveu;

E o caçador que o avistou prostrado

Esmoreceu!



Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes

Revive o forte,

Que soube ufano contrastar os medos

Da fria morte.



III

Em larga roda de novéis guerreiros

Ledo caminha o festival Timbira,

A quem do sacrifício cabe as honras,

Na fronte o canitar sacode em ondas,

O enduape na cinta se embalança,

Na destra mão sopesa a iverapeme,

Orgulhoso e pujante. — Ao menor passo

Colar d’alvo marfim, insígnia d’honra,

Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,

Como que por feitiço não sabido

Encantadas ali as almas grandes

Dos vencidos Tapuias, inda chorem

Serem glória e brasão d’imigos feros.

"Eis-me aqui", diz ao índio prisioneiro;

"Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,

"As nossas matas devassaste ousado,

"Morrerás morte vil da mão de um forte."



Vem a terreiro o mísero contrário;

Do colo à cinta a muçurana desce:

"Dize-nos quem és, teus feitos canta,

"Ou se mais te apraz, defende-te." Começa

O índio, que ao redor derrama os olhos,

Com triste voz que os ânimos comove.



IV

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci;

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.



Já vi cruas brigas,

De tribos imigas,

E as duras fadigas

Da guerra provei;

Nas ondas mendaces

Senti pelas faces

Os silvos fugaces

Dos ventos que amei.



Andei longes terras

Lidei cruas guerras,

Vaguei pelas serras

Dos vis Aimoréis;

Vi lutas de bravos,

Vi fortes — escravos!

De estranhos ignavos

Calcados aos pés.



E os campos talados,

E os arcos quebrados,

E os piagas coitados

Já sem maracás;

E os meigos cantores,

Servindo a senhores,

Que vinham traidores,

Com mostras de paz.



Aos golpes do imigo,

Meu último amigo,

Sem lar, sem abrigo

Caiu junto a mi!

Com plácido rosto,

Sereno e composto,

O acerbo desgosto

Comigo sofri.



Meu pai a meu lado

Já cego e quebrado,

De penas ralado,

Firmava-se em mi:

Nós ambos, mesquinhos,

Por ínvios caminhos,

Cobertos d’espinhos

Chegamos aqui!



O velho no entanto

Sofrendo já tanto

De fome e quebranto,

Só qu’ria morrer!

Não mais me contenho,

Nas matas me embrenho,

Das frechas que tenho

Me quero valer.



Então, forasteiro,

Caí prisioneiro

De um troço guerreiro

Com que me encontrei:

O cru dessossêgo

Do pai fraco e cego,

Enquanto não chego

Qual seja, — dizei!



Eu era o seu guia

Na noite sombria,

A só alegria

Que Deus lhe deixou:

Em mim se apoiava,

Em mim se firmava,

Em mim descansava,

Que filho lhe sou.



Ao velho coitado

De penas ralado,

Já cego e quebrado,

Que resta? — Morrer.

Enquanto descreve

O giro tão breve

Da vida que teve,

Deixai-me viver!



Não vil, não ignavo,

Mas forte, mas bravo,

Serei vosso escravo:

Aqui virei ter.

Guerreiros, não coro

Do pranto que choro:

Se a vida deploro,

Também sei morrer.



V

Soltai-o! — diz o chefe. Pasma a turba;

Os guerreiros murmuram: mal ouviram,

Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

Brada segunda vez com voz mais alta,

Afrouxam-se as prisões, a embira cede,

A custo, sim; mas cede: o estranho é salvo.

Timbira, diz o índio enternecido,

Solto apenas dos nós que o seguravam:

És um guerreiro ilustre, um grande chefe,

Tu que assim do meu mal te comoveste,

Nem sofres que, transposta a natureza,

Com olhos onde a luz já não cintila,

Chore a morte do filho o pai cansado,

Que somente por seu na voz conhece.

— És livre; parte.

— E voltarei.

— Debalde.

— Sim, voltarei, morto meu pai.

— Não voltes!

É bem feliz, se existe, em que não veja,

Que filho tem, qual chora: és livre; parte!

— Acaso tu supões que me acobardo,

Que receio morrer!

— És livre; parte!

— Ora não partirei; quero provar-te

Que um filho dos Tupis vive com honra,

E com honra maior, se acaso o vencem,

Da morte o passo glorioso afronta.



— Mentiste, que um Tupi não chora nunca,

E tu choraste!... parte; não queremos

Com carne vil enfraquecer os fortes.



Sobresteve o Tupi: — arfando em ondas

O rebater do coração se ouvia

Precípite. — Do rosto afogueado

Gélidas bagas de suor corriam:

Talvez que o assaltava um pensamento...

Já não... que na enlutada fantasia,

Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,

Do velho pai a moribunda imagem

Quase bradar-lhe ouvia: — Ingrato! Ingrato!

Curvado o colo, taciturno e frio.

Espectro d’homem, penetrou no bosque!



VI

— Filho meu, onde estás?

— Ao vosso lado;

Aqui vos trago provisões; tomai-as,

As vossas forças restaurai perdidas,

E a caminho, e já!

— Tardaste muito!

Não era nado o sol, quando partiste,

E frouxo o seu calor já sinto agora!

— Sim demorei-me a divagar sem rumo,

Perdi-me nestas matas intrincadas,

Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;

Convém partir, e já!

— Que novos males

Nos resta de sofrer? — que novas dores,

Que outro fado pior Tupã nos guarda?

— As setas da aflição já se esgotaram,

Nem para novo golpe espaço intacto

Em nossos corpos resta.

— Mas tu tremes!

— Talvez do afã da caça....

— Oh filho caro!

Um quê misterioso aqui me fala,

Aqui no coração; piedosa fraude

Será por certo, que não mentes nunca!

Não conheces temor, e agora temes?

Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,

E contra o seu querer não valem brios.

Partamos!... —

E com mão trêmula, incerta

Procura o filho, tateando as trevas

Da sua noite lúgubre e medonha.

Sentindo o acre odor das frescas tintas,

Uma idéia fatal ocorreu-lhe à mente...

Do filho os membros gélidos apalpa,

E a dolorosa maciez das plumas

Conhece estremecendo: — foge, volta,

Encontra sob as mãos o duro crânio,

Despido então do natural ornato!...

Recua aflito e pávido, cobrindo

Às mãos ambas os olhos fulminados,

Como que teme ainda o triste velho

De ver, não mais cruel, porém mais clara,

Daquele exício grande a imagem viva

Ante os olhos do corpo afigurada.

Não era que a verdade conhecesse

Inteira e tão cruel qual tinha sido;

Mas que funesto azar correra o filho,

Ele o via; ele o tinha ali presente;

E era de repetir-se a cada instante.

A dor passada, a previsão futura

E o presente tão negro, ali os tinha;

Ali no coração se concentrava,

Era num ponto só, mas era a morte!

— Tu prisioneiro, tu?

— Vós o dissestes.

— Dos índios?

— Sim.

— De que nação?

— Timbiras.

— E a muçurana funeral rompeste,

Dos falsos manitôs quebraste a maça...

— Nada fiz... aqui estou.

— Nada! —

Emudecem;

Curto instante depois prossegue o velho:

— Tu és valente, bem o sei; confessa,

Fizeste-o, certo, ou já não fôras vivo!

— Nada fiz; mas souberam da existência

De um pobre velho, que em mim só vivia....

— E depois?...

— Eis-me aqui.

— Fica essa taba?



— Na direção do sol, quando transmonta.

— Longe?

— Não muito.

— Tens razão: partamos.

— E quereis ir?...

— Na direção do acaso.



VII

"Por amor de um triste velho,

Que ao termo fatal já chega,

Vós, guerreiros, concedestes

A vida a um prisioneiro.

Ação tão nobre vos honra,

Nem tão alta cortesia

Vi eu jamais praticada

Entre os Tupis, — e mas foram

Senhores em gentileza.

"Eu porém nunca vencido,

Nem nos combates por armas,

Nem por nobreza nos atos;

Aqui venho, e o filho trago.

Vós o dizeis prisioneiro,

Seja assim como dizeis;

Mandai vir a lenha, o fogo,

A maça do sacrifício

E a muçurana ligeira:

Em tudo o rito se cumpra!

E quando eu for só na terra,

Certo acharei entre os vossos,

Que tão gentis se revelam,

Alguém que meus passos guie;

Alguém, que vendo o meu peito

Coberto de cicatrizes,

Tomando a vez de meu filho,

De haver-me por pai se ufane!"

Mas o chefe dos Timbiras,

Os sobrolhos encrespando,

Ao velho Tupi guerreiro

Responde com tôrvo acento:



— Nada farei do que dizes:

É teu filho imbele e fraco!

Aviltaria o triunfo

Da mais guerreira das tribos

Derramar seu ignóbil sangue:

Ele chorou de cobarde;

Nós outros, fortes Timbiras,

Só de heróis fazemos pasto. —



Do velho Tupi guerreiro

A surda voz na garganta

Faz ouvir uns sons confusos,

Como os rugidos de um tigre,

Que pouco a pouco se assanha!



VIII

"Tu choraste em presença da morte?

Na presença de estranhos choraste?

Não descende o cobarde do forte;

Pois choraste, meu filho não és!

Possas tu, descendente maldito

De uma tribo de nobres guerreiros,

Implorando cruéis forasteiros,

Seres presa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,

Sem arrimo e sem pátria vagando,

Rejeitado da morte na guerra,

Rejeitado dos homens na paz,

Ser das gentes o espectro execrado;

Não encontres amor nas mulheres,

Teus amigos, se amigos tiveres,

Tenham alma inconstante e falaz!



"Não encontres doçura no dia,

Nem as cores da aurora te ameiguem,

E entre as larvas da noite sombria

Nunca possas descanso gozar:

Não encontres um tronco, uma pedra,

Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,

Padecendo os maiores tormentos,

Onde possas a fronte pousar.



"Que a teus passos a relva se torre;

Murchem prados, a flor desfaleça,

E o regato que límpido corre,

Mais te acenda o vesano furor;

Suas águas depressa se tornem,

Ao contacto dos lábios sedentos,

Lago impuro de vermes nojentos,

Donde fujas com asco e terror!



"Sempre o céu, como um teto incendido,

Creste e punja teus membros malditos

E oceano de pó denegrido

Seja a terra ao ignavo tupi!

Miserável, faminto, sedento,

Manitôs lhe não falem nos sonhos,

E do horror os espectros medonhos

Traga sempre o cobarde após si.



"Um amigo não tenhas piedoso

Que o teu corpo na terra embalsame,

Pondo em vaso d’argila cuidoso

Arco e frecha e tacape a teus pés!

Sê maldito, e sozinho na terra;

Pois que a tanta vileza chegaste,

Que em presença da morte choraste,

Tu, cobarde, meu filho não és."



IX

Isto dizendo, o miserando velho

A quem Tupã tamanha dor, tal fado

Já nos confins da vida reservara,

Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias

Da sua noite escura as densas trevas

Palpando. — Alarma! alarma! — O velho pára!

O grito que escutou é voz do filho,

Voz de guerra que ouviu já tantas vezes

Noutra quadra melhor. — Alarma! alarma!

— Esse momento só vale a pagar-lhe

Os tão compridos transes, as angústias,

Que o frio coração lhe atormentaram

De guerreiro e de pai: — vale, e de sobra.

Ele que em tanta dor se contivera,

Tomado pelo súbito contraste,

Desfaz-se agora em pranto copioso,

Que o exaurido coração remoça.



A taba se alborota, os golpes descem,

Gritos, imprecações profundas soam,

Emaranhada a multidão braveja,

Revolve-se, enovela-se confusa,

E mais revolta em mor furor se acende.

E os sons dos golpes que incessantes fervem,

Vozes, gemidos, estertor de morte

Vão longe pelas ermas serranias

Da humana tempestade propagando

Quantas vagas de povo enfurecido

Contra um rochedo vivo se quebravam.



Era ele, o Tupi; nem fora justo

Que a fama dos Tupis — o nome, a glória,

Aturado labor de tantos anos,

Derradeiro brasão da raça extinta,

De um jacto e por um só se aniquilasse.



— Basta! Clama o chefe dos Timbiras,

— Basta, guerreiro ilustre! Assaz lutaste,

E para o sacrifício é mister forças. —



O guerreiro parou, caiu nos braços

Do velho pai, que o cinge contra o peito,

Com lágrimas de júbilo bradando:

"Este, sim, que é meu filho muito amado!



"E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,

"Corram livres as lágrimas que choro,

"Estas lágrimas, sim, que não desonram."



X

Um velho Timbira, coberto de glória,

Guardou a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi!

E à noite, nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Dizia prudente: — "Meninos, eu vi!

"Eu vi o brioso no largo terreiro

Cantar prisioneiro

Seu canto de morte, que nunca esqueci:

Valente, como era, chorou sem ter pejo;

Parece que o vejo,

Que o tenho nest’hora diante de mi.



"Eu disse comigo: Que infâmia d’escravo!

Pois não, era um bravo;

Valente e brioso, como ele, não vi!

E à fé que vos digo: parece-me encanto

Que quem chorou tanto,

Tivesse a coragem que tinha o Tupi!"



Assim o Timbira, coberto de glória,

Guardava a memória

Do moço guerreiro, do velho Tupi.

E à noite nas tabas, se alguém duvidava

Do que ele contava,

Tornava prudente: "Meninos, eu vi!".


Fonte: Gonçalves Dias. Antologia Poética. 5ª edição. Rio de Janeiro: Agir, 1969. In: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/i-jucapirama.html